Sunday, August 28, 2005

Bruma de reis natos

Na inefável parede branca
Lançam-se os reis desesperados
Com o amor o sangue estanca
Dos pinhões já desencarnados

Reis natos? O "o" virou "a". Notas?
A culpa realmente não foi minha
É a neblina que confunde tudo
Do sotão escuro às densas matas

Bem disfarçado. Embaralhado, viu?
Do rei que nunca será vil
Só porque um dia disse:

-Prenda-o. Dê a ele minha moral
Jogue-o na masmorra medieval
Mas morra no maior silêncio total

(Eu mesmo, 28/08/2005)

Atração (quase domínio público)

A tração da atração
Traz um fim dum ser são
Numa tão forte coerção
Que não vê alguma salvação

E se encurrala na suspeita
Do medo e mistério certo
Não sabendo o que fazer
Tendo a loucura por perto

E quando aflito e desperto
Pensar em salvação? Redenção?
Preferir não sentir a alforria

Mas aí seria baita covardia
De renegar o Outro, o ser bem-vindo
Impossibilitado de dizer que é até lindo

KANASH SELMA ( Niterói, 37 anos depois do inverno do desespero - com modificações posteriores)

Thursday, August 25, 2005

Monstro

Existe um monstro em mim,
um abominável homem das cavernas,
um Yeti, um monstro do Lago Ness.
Esse bicho, essa tênia, esse lobisomem
se confunde com meus anseios mais meus.
Não sei mais quem pensa, quem me de decide...

Quem sou eu hoje? Sou a pessoa que nasceu?
ou o deturpado vampiro, corrompido, seco por sangue?
Nasci assim?

Tenho momentos de clareza (como agora),
mas será que mesmo agora
essa criação poética não é controlada
pela minha aberração?

Quem sou eu? Sou a mula-sem-cabeça.
Não penso como acho que penso,
penso como me fazem pensar.
Penso como acham que devo pensar,
acho que pensam que não sei pensar,
ou que não posso pensar o que sinto que penso.
Esses monstros, parasitas que comem
e corroem minha peculiaridade.
Esses reis do mundo...

Na verdade, descobri que não sou o único
possuído, seguem todos os seres humanos,
ocos por dentro, com os vermes a digerir
seus olhos, com os papões a os encurralar.

Veja que até isso já foi escrito,
esse bicho em mim é apenas um terminal,
e o mainframe... onde fica?

Sunday, August 21, 2005

Le spleen de Niterói

(Na ausência permanente de leitores, escrevo ao meu mais cínico prazer. Masturbação literária, solitária e retardatária)

"Eu preciso encontrar um lugar legal pra mim dançar" (Jupiter Maçã)

A une heure du matin

A noite nem tão fria de Agosto
Bem que machuca meu rosto
Oferecendo essa frescura gratuita
Numa hora nem tão fortuita

Minha rima mesquinha e forçada
Saiu junto com meu lirismo indizível
E tua mão se uniu a minha, e nada
Nada do que disse foi compreensível

Rimos do lirismo, tu lá e eu cá
Num êxtase inventado, num gozo artificial
Que bem de longe soava muito banal

Tu nem tuberculose tiveste, nem tossiste
Lembro que tinhas rido e disseste:
Está calor! Vamos à praia? E eu falei:
"Tu esqueceste a rima em cima da mesa junto com o baudelaire. O que estás fazendo com meu romantismo cavernoso, negro e depressivo? ( Tu viraste o rosto e seguiste em frente.) A rua estava cheia dos domingos, das velhinhas, dos jovens com pouca roupa. Todos embaixo de um sol que a tudo invadia. Fomos voando e já na praia a minha poesia tomou uma grande vaca. Como a areia estava quente! Tu foste na frente, pensaste que estavas em teu país e tiraste a parte de cima do biquini. - Vou dizer-te a verdade: teus peitos bronzeados e o céu azul não trouxeram a atmosphera cinza, fria e nublada daquele lugar. Quando vi (vi o quê?), nem o tédio, nem a poesia tinham tomado um caldo. Era duas da tarde e passava dos quarenta graus. A água salgada e gelada absurdamente azul me envolveu maliciosamente e disse: Maroto. Daqui tu não sais. E tu já despida estavas quando eu pensei que precisava terminar o verso. Cínica. Tu sumias sempre no Verão, de Maio a Outubro eu não te via. E por isso meu SPLEEN nascia nessa época. Nossos verões não coincidiam! Lembro-me que nem tão cedo o rapazola bonito viera te atormentar. Tu só tinhas a mim e vinha surfando num grande cartão-postal das estepes russas. -Il est un pays superbe, un pays de Cocagne. Disseste tu antes de eu voltar a realidade. Reparei que teus cabelos eram curtos mas nem tanto.
(prometemos dançar a polca mais tarde)

O galo não cantou mais
Não se ouvia mais o jazz
Não está calor
Não é verão

Sentado na mesa, eu anacronicamente acordei do sonho com a caneta na mão. Um cachorro latia ao longe. Passava das duas da manhã. Olhei para sua foto e tive ciúme de mim mesmo. Então, para disfarçar, escrevi no final do poema:

-Conquistei o verso branco e livre numa só pergunta infalível :
-Por que tudo isso?

(Gonzales Fernandes, primavera, 2003)

Monday, August 15, 2005

RESSUSCITA SÃO GONÇALO!!!

-"A atmosfera lúdica não faz de mim teu paraíso-" (anônimo)
- "And i grew strong" (i will survive)
- "Je ne suis pas un reveur" (juliette)
- "Não gosto de piru pequeno" (Tati quebra barraco)

(Selvagem desdentada, nua, suja de barro e merda irrompe no palco)

Fui humilhada e pisoteada
Fizeram de mim gato e sapato
Me estupraram na rua escura
Me chamam de feia e me odeiam
O que eu fiz de errado meu deus?
Sacodi a poeira e fui à luta
Na frente dos olhares incrédulos das outras
Sou grande e não chego a ser gorda
Sou feia e nem na moda estou
Mas um dia o barraco eu vou quebrar
E pedras vão rolar
Bem no meio das caras delicadas dessas outras putas
Produzi a mesma cachaça que as outras há quatrocentos anos
Meus engenhos também foram ótimos
Gostava mesmo era de minhas goiabas
Fui traída por todas
Sófocles que o diga!
Minha boca conserva dentes amarelados
Minha nádega parece flácida
Meus seios se rebelaram
Estou ficando careca
Mas até na bíblia, a minha vingança está escrita
E também nos versos brancos, alemães
Mas eu sou negra, negra. Parente de Benguela
Sou filha de Angola.
Minhas veias são valões podres que singram para o mar da vingança
Uma por uma, vocês vão cair
Essa irmã do meu lado, puta velha, com uma baita ponte entalada no cú
E a cafetina mestre, ostentando uns pãos murchos
E umas praias poluídas...
Meu lamento será ouvido por todas..
Cagarei em todas voces... nem a Cidade Eterna perdoarei
-Escusa é o caralho
Honrarei o sangue de Sodoma e Gomorra
Pisando na cidade de deus de Santo Agostinho
E quando terminada minha vingança
Reinarei soberana e livre
Com os seios as mostras
Pegarei a bíblia e modificarei as sagradas estruturas
finalmente, centro do mundo, agradecerei aos gritos milenares:
RESSUSCITA SÃO GONÇALO....

(Sai de cena sem olhar para trás, deixando atrás de si, excrementos)

Sunday, August 14, 2005

The Matrix

Estive pensando na vida, no existencialismo.
Talvez se não pensasse tanto nisso estaria menos satisfeita.
Mas parece que tudo agora faz sentido.
É como estar fora do MATRIX.
É como se agora eu estivesse olhando para o mundo sob perspectiva exterior.
Como as pessoas se enganam por este universo.
Como se tudo que esperam está no futuro... no infinito.
As pessoas precisam parar de programar seu estado de espirito, parar de sistematizar as emoções.
Essa crise da nossa sociedade está alarmante!
Até o amor agora está ameaçado.
Daqui a pouco ninguém mais acreditará no amor, assim como ninguém mais acredita em Deus e ninguém mais acredita na política.
Eu devo admitir, não acredito mais mesmo.
Seria isso praga?
Sim, é.
Nossa natureza toda está ameaçada, e com isso toda a raça humana conhecida.
Nossa sociedade está exinguindo toda a nossa natureza primitiva.
O mundo da lógica e da razão está nos tornando robôs sem metafísica.
Copulamos por prazer animal, e por acidente reproduzimos.
O pouco de amor que nos resta está nos "loucos".
Os "loucos" amam, sofrem e não têm medo de admitir isso.
Posso já ter perdido minha religião, minha ideologia, mas não vou deixar que o mundo roube minha única prova de vida inteligente que ainda jaz em mim: AMOR!

Vamos fazer uma passeata para a preservação do carinho!
Vamos fazer uma passeata contra os humanóides que nos rodeam e nos chamam de loucos!

Sunday, August 07, 2005

Entre o Botequim e a Tabacaria

Encontrei a sua felicidade crucificada em um maio qualquer de 2005
Chegou a fazer calor naqueles dias.
Não tenho vergonha das minhas bananeiras e palmeiras
Amo o meu Rio quente e abafado. De virgens favelas e oceanos rasos.
Amo-te ó rude e dolorosa cidade. Em que da voz materna ouvi: TAÍÍÍSSA, VEM AQUI SE NÃO TU APANHA.
Foi lá que minha esquerda festiva surgiu. Foi lá que nos Domingos de 1972 o meu coração se tornou morno nas rodas de samba. E no verão de 1982 quando você não soube me amar.
Era lá onde eu andava com pouca roupa em pleno inverno. Foi lá que em 1993 vi meu primeiro Baile Funk. De lá para cá a Egüinha Pocotó fez sujeira na estrada da Posse. E eu morri de bala perdida.
Passando pela Baixada, entrando na Brasil, meu Julho fez-se quente com trinta graus celcius de brasilidade.
As putas da Vila Mimosa e os bêbados da Lapa fizeram coro comigo. Do subúrbio à zona sul as cabeças cozinhavam. Do Flamengo se via Niterói.
-Mas não te iludas minha pequena suja:
Não dava para ver São Gonçalo!
E até a sua felicidade derreteu e você não tinha outra, pois a perdeu.
Quanto aos teus chocolates, pequena putinha
Também derreteram. (Lá em Bangu, bem longe da tua tabacaria...)